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Hamilton Martins



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Ser Sportinguista


 

Nenhum sportinguista ficou indiferente ao empenho revelado pelos jogadores do Sporting na passada 3ª-feira no embate com a ACF Fiorentina. E nisso o Sporting é um clube particular: quando os jogadores revelam atitude, dedicação, devoção à causa sportinguista, são levados em ombros pela massa adepta, são aplaudidos apesar de eventuais maus resultados, são considerados dignos de vestir a mais bonita das camisolas.

Como todos, a exibição do Sporting não me deixou indiferente. O adversário era complicado, uma equipa italiana, sempre temíveis na ocupação dos espaços defensivos e de rápidos desdobramentos ofensivos, tinha o tal orçamento superior (que parece ser indiferente ao Nacional da Madeira, senão veja-se a forma como bateu o pé ao Zenit de São Petersburgo) e teria certamente a mesma vontade de entrar na fase de grupos da Liga dos Campeões, a principal montra do futebol mundial, para reafirmar a todos a ressurreição das cinzas de um clube cujo suporte associativo conhece poucos paralelos em Itália.

O jogo tinha tudo para correr mal: o Sporting vinha de uma sequência de empates, um dos quais alcançado de forma milagrosa, o outro através de um auto-golo do adversário, vinha manifestando uma assustadora fragilidade na defesa e uma total inoperância ofensiva. Uma inoperância atacante que não se circunscrevia à má forma ou incapacidade dos avançados, devia-se sobretudo à completa ausência de ligação e sequência no futebol ofensivo do Sporting. E depois das badaladas "experiências" no jogo com o Nacional, não eram poucos os que previam o pior. O empate a dois, que deixa o Sporting de fora da Liga dos Campeões no intervalo da eliminatória, foi recebido como se de uma vitória se tivesse tratado. Afinal, o Sporting parecia ter jogado futebol… Mas teria mesmo?

Ontem, enquanto assistia a um pouco do embate entre o Panathinaikos e o Atlético de Madrid, o comentador (que não descobri quem era), referiu que a equipa grega, à excepção dos 10 minutos iniciais da 2ª parte, não tinha sabido contrariar a organização ofensiva da equipa madrilena. O Panathinaikos não conseguia roubar espaços e contrariar a circulação da bola e a movimentação dos jogadores do Atlético de Madrid. E quando obtinha a bola, disse o mesmo comentador, era tudo feito à base da garra, da luta, da força. Acrescentou ainda que a agressividade, apesar de necessária, muitas vezes não era suficiente para ganhar jogos. Era preciso organização.

Já pensava escrever esta crónica então, mas aí cristalizou-se a matéria. Em primeiro lugar, foi divertido reparar como os defensores de Paulo Bento se digladiaram, apesar do mau resultado e do futebol paupérrimo praticado na Choupana (reconhecido pelo próprio), em enaltecer as virtudes do treinador e da sua flexibilidade táctica, ele que teria inovado (o que não era verdade, pois fizera exactamente o mesmo nos jogos com o Feyenoord e com o Vitória de Guimarães, pelo menos!) adoptado uma espécie 4-3-3, em que um dos atacantes abriria nos flancos para conferir a largura ao jogo necessária a fazer circular a bola.

Para o jogo com a Fiorentina, Paulo Bento havia regressado ao famigerado (e criticado) losango e, face à "quase-vitória", os jogadores teriam finalmente mostrado em campo a movimentação e as trocas posicionais, necessárias a dinamizar o sistema táctico pretendido, que teria oscilado entre o 4-1-2-1-2 e o 4-3-3. Honestamente, no estádio e na Bancada B (que permite observar o jogo de cima) não vi nada disso: os jogadores aguerridos e voluntariosos fizeram os mesmos movimentos de sempre e apenas as rupturas, quase sempre provocadas por iniciativas individuais de Matias Fernandez, souberam desequilibrar o adversário.

Da minha posição na bancada, a qualidade ofensiva do futebol do Sporting foi nula. Não se viu trabalho ou coordenação da equipa no desdobramento ofensivo, tão pouco o afamado losango ou qualquer inovação táctica. Viu-se apenas um caos técnico-táctico compensado pelo querer dos jogadores. E, inevitavelmente, assistiu-se aos mesmos erros de sempre: incapacidade para utilizar o corredor central (excepto a posição 6, que implica o recuo da bola para uma zona próxima da linha de meio-campo) como ponto de rotação e alternância do jogo ofensivo, muito poucas trocas de bola ao 2º ou 3º toque, quase nenhuma troca de bola em progressão, muito deficiente exploração dos corredores laterais no último terço do terreno (uma total incapacidade de efectuar centros após a linha de grande área), excessiva concentração de jogadores numa única zona do campo, deficiente posicionamento dos jogadores a receber o esférico, de costas para a baliza, parados, ou os médios-interiores/alas a receber a bola demasiado próximos dos laterais, em zonas sobrelotadas de adversários. Assim, apesar da supremacia na garra, na agressividade e na posse de bola, o Sporting somou poucos mais remates que uma Fiorentina, que se apanhou a vencer desde o minuto 6.

E o que tem este jogo a ver com o futebol de formação? À partida, dir-se-ia que pouco. Mas na realidade ter-se-á de dizer que é muito: em campo estiveram 8 jogadores da formação do Sporting (Rui Patrício, Daniel Carriço, André Marques, Marco Caneira, Miguel Veloso, João Moutinho, Yannick Djaló e Bruno Pereirinha) e por isso o apelo aos seus automatismos era mais do que lógico. Na passada 3ª-feira, mais do que em qualquer outro jogo, dei por mim a suspirar que o futebol do Sporting fosse coerente, certinho, previsível e que, ao mesmo tempo, soubesse explorar a largura e o comprimento do campo. Que fosse um 4-3-3 no qual todos aqueles jogadores, a grande maioria dos que acabaram por envergar a mais bonita, foram ensinados a jogar.

Um modelo de jogo que facilitasse o preenchimento dos espaços defensivos: que permitisse aos 3 médios serem apenas médios, e não simultaneamente médios-ala e médios-centro, que não os tirasse do lugar para atacar, que pudessem saber – de olhos fechados – que quando o 6, o 8 ou o 10 recebe a bola na direcção da baliza adversária, que haveria um extremo abrir na linha por forma a conferir largura, amplitude ao jogo. Que a movimentação colectiva do avançado e dos extremos permitisse a um fantasista como Matias Fernandez encontrar espaços para desequilibrar, no 1x1 e não no 1x3. Que permitisse a bola circular entre canais, movimentando todos os jogadores, sempre à procura de libertar a bola no espaço vazio – na outra lateral ou entre as linhas – por forma a dar a fluidez que permite aos avançados encontrar menos adversários nas zonas de finalização. Ou que encostasse o adversário atrás, pela capacidade de flanquear, onde os laterais poderiam – próximos dos extremos – encontrar situações de 2x2 ou 3x3.

Um modelo de jogo que fizesse salientar as melhores características dos jogadores ofensivos do Sporting: o virtuosismo de Matias Fernandez, a inteligência de Miguel Veloso, o critério e rapidez no passe de João Moutinho, a capacidade defensiva e de transição rápida de Adrien Silva, a profundidade ofensiva conferida por Yannick Djaló.

Em vez disso, vimos muita garra e tenacidade. Melhores dias virão com o regresso aos princípios básicos aprendidos na formação do Sporting. Nem sequer precisa de ser em 4-3-3…